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O desejo pela felicidade

 

Os efeitos de um dia de trabalho insatisfatório: cansaço, irritação, dificuldade de relacionamento, cefaleia, taquicardia e desânimo para as atividades diárias. Sintomas que levam as pessoas a cogitar desistir de tudo e mudar de rotina. Estima-se que 70% da população economicamente ativa do Brasil já tenha sofrido de estresse, segundo pesquisa feita no ano passado pelo Internacional Stress Management Association (ISMA) no Brasil. E o trabalho teria sido o principal vilão para este quadro.

 

Se isso já não bastasse, 65% dos trabalhadores afirmam que não gostam mais do que fazem e se sentem infelizes com o seu trabalho e estilo de vida. Mas então, por que não pedem demissão? Infelizmente, a sociedade atual é baseada em consumo e isso requere dinheiro, que por sua vez é fruto de um trabalho muitas vezes indesejado.

 

Em 1996, o sociólogo e filósofo Jean Baudrillard já havia percebido que o consumo iria invadir todos os setores da vida e se tornaria sinônimo de satisfaçãoi para o homem. De acordo com ele, o envolvimento com o consumo é total e está inteiramente climatizado, organizado e culturalizado. Ele é o motivo pelo qual as pessoas continuam no mesmo trabalho: o salário não pode faltar, pois os gastos não param.

 

Na sociedade do hiperconsumo, a aquisição de bens passa a ser índice privilegiado de felicidade. O consumidor se satisfaz por meio do objeto de consumo. Trata-se do aspecto imaginário da felicidade: é feliz quem tem o que têm os demais. Com a supervalorização da recompensa financeira a partir da virada dos anos 70 para os 80 do século passado, a lógica trabalhista durante décadas resumiu-se a engolir sapos em troca de um bom salário. O jornalista Alexandre Teixeira, autor do livro Felicidade S.A., afirma que “as pessoas acabam entrando em crises profissionais que se tornam crises existenciais. Se formos pensar, o dinheiro nos faz feliz sim, mas nem tanto”.

 

Segundo o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Orestes Diniz Neto, “a sociedade nos convida a acreditar que atingir certo status significa felicidade, só que felicidade pode não ser nada disso. Os caminhos traçados com o coração nos enchem de sentido e significado, de que estamos realizando algo maior. Caminhos sem o coração são mais fáceis, mas não nos levam a esse lugar de satisfação”. De acordo com a psicanálise a experiência de satisfação que o sujeito vivencia parte da relação entre o desprazer e o prazer que “consistem no aumento e na diminuição de tensão”, ou seja, o aumento da tensão psíquica é desprazeroso e o alívio da mesma é o prazer.

 

E as pressões vêm de todos os lados. Segundo o psicólogo Neto, vivemos em uma sociedade paradoxal. Ao mesmo tempo em que ela nos oferece inúmeras condições de satisfação, ela aumenta e estimula nossas expectativas para o consumo. “Somos convidados à confusão de se sentir bem com a ideia de ter muitas coisas. Nesse sentido, temos de entender que satisfação pessoal não é possuir. O que estamos fazendo é criando um buraco maior ainda”.

 

É exatamente isso que mostra a pesquisa da Pactive Consultoria, empresa especializada em gestão de pessoas, que apontou que 58% dos profissionais brasileiros ouvidos pelo estudo já pensaram em "largar tudo" para iniciar uma carreira nova. Deste total, 26% afirmaram que a ideia de recomeçar profissionalmente já foi cogitada "muitas vezes".

 

Muitas pessoas ficam presas em situações durante a vida toda, que não é o que eles queriam ser ou fazer, vivendo em uma cidade ou situação que não os fazem sentir bem; ou em grupos que não refletem seus valores. Algumas pessoas desenvolvem coragem para enfrentar os riscos envolvidos nas mudanças. “Essencialmente, essas pessoas apostam. Elas se dispõem a correr o risco de perder e estarem enganados”, comenta o professor e psiólogo da UFMG.

 

Esses apostadores são pessoas que decidem buscar sua felicidade em primeiro lugar. Um exemplo é o movimento minimalista, inspirado nas artes, onde a ideia é viver com menos. Porém, a opção, também conhecida como simplicidade voluntária, não tem a ver com falta de dinheiro. É uma escolha típica de pessoas das classes média e alta, que, justamente por terem tido acesso à sociedade do consumo, se frustraram e optaram por outro estilo de vida.

 

Realizar tal mudança não é fácil depois de anos exercendo certas profissões, mas as pessoas que decidem arriscar a deixar a rotina e começar do zero, algumas vezes fazendo coisas que antes era visto como um hobbie, afirmam não terem arrependimentos. Alguns corajosos “jogam tudo para o alto”, largam o antigo emprego e a rotina estressante para viver como sempre sonharam. Algumas vezes ganhando menos e abrindo mão de bens materiais, aprendendo a conviver sem eles.

 

A ideia pode parecer utópica demais para alguns, mas é importante lembrar que para fazer uma mudança como essas é necessário um planejamento, não é de um dia para o outro. Segundo o consultor em gestão de pessoas Eduardo Ferraz “é interessante estudar uma nova opção por no mínimo três meses antes”. O casal Eme Viegas e Jaque Barbosa, fundadores do blog Hypeness e Casal Sem Vergonha, tiveram uma preparação de dois anos antes de terem condições favoráveis para viver do jeito que sempre sonharam, longe da rotina da cidade grande.

 

Para entender melhor como equilibrar a felicidade pessoal e a satisfação profissional, a reportagem entrevista Alexandre Teixeira, jornalista que vem pesquisando há três anos a relação entre felicidade e trabalho.

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